segunda-feira, 24 de maio de 2010


O Sapateiro Pobre

Havia um sapateiro, que trabalhava à porta de casa, e todo o santíssimo dia cantava; tinha muitos filhos, que andavam rotinhos pela rua, pela muita pobreza, e à noite enquanto a mulher fazia a ceia, o homem puxava da viola e tocava os seus batuques muito contente. Defronte dele morava um ricaço, que reparou naquele viver, e teve pelo sapateiro tal compaixão, que lhe mandou dar um saco de dinheiro, porque o queria fazer feliz.O sapateiro lá ficou admirado; pegou no dinheiro e à noite fechou-se com a mulher para o contarem. Naquela noite o sapateiro já não tocou viola; as crianças andavam a brincar pela casa e faziam barulho, fizeram-no errar a conta e ele teve de lhes bater, e ouviu-se uma choradeira, como nunca tinham feito quando tinham mais fome. Dizia a mulher:– E agora, o que havemos nós de fazer a tanto dinheiro?– Enterra-se.– Perdemo-lhe o tino; é melhor metê-lo na arca.– Mas podem roubá-lo, o melhor é pô-lo a render.– Ora isso é ser onzeneiro.– Então levantam-se as casas, e fazem-se de sobrado, e depois arranjo a oficina toda pintadinha.– Isso não tem nada com a obra; o melhor era comprarmos uns campinhos; eu sou filha de lavrador e puxa-me o corpo para o campo.– Nessa não caio eu.– Pois o que me faz conta é ter terra; tudo o mais é vento.As coisas foram-se azedando, palavra puxa palavra, o homem zanga-se, atiça duas solhas na mulher, berreiro de uma banda, berreiro de outra, naquela noite não pregaram olho. O vizinho ricaço reparava em tudo, e não sabia explicar aquela mudança. Por fim o sapateiro disse à mulher:– Sabes que mais, o dinheiro tirou-nos a nossa antiga alegria! O melhor era ir levá-lo outra vez ao vizinho dali defronte, e que nos deixe cá com aquela pobreza que nos fazia amigos um do outro. A mulher abraçou aquilo com ambas as mãos e o sapateiro com vontade de recobrar a sua alegria e a da mulher e dos filhos, foi entregar o dinheiro e voltou para a sua tripeça a cantar e trabalhar como o costume.